quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Diário: domingo

Só hoje, quarta-feira, estou postando o diário de domingo. Sorry para todos que acessaram o blog, mas não tive tempo de escrever (volta ao mundo das preocupações prosaicas: contas, supermercado, trabalho, etc.)
Retomando, ao voltar à Galeria no sábado a noite,um pouquinho depois das onze, fiquei até umas duas horas enrolando, tomando vinho com o Bruno (superman), Gustavo, Aline e Eva, no mezanino. Rolou um daqueles joguinhos que o Hilan adora fazer nas festinhas dele, tipo jogo da verdade: Você já ...? Foi divertido. Quando o vinho terminou, o pessoal resolveu cozinhar, macarrão! Resolvi que era tempo de parar de enrolar e começar a trabalhar meu espaço. Fiquei um bom tempo concentrada, mudando tudo de lugar. Não tinha percebido ainda como o plástico bolha é interessante plasticamente. Translúcido, maleável, leve. Parece uma camada de cristal quando colocado sobre certos objetos. Além disso, pode ser comprado em grande quantidade, tem uma largura razoável, e é relativamente barato(67 cents/metro). No futuro quero cobrir/enrolar um grande espaço com ele: chão, teto, paredes, móveis... Decidi adicionar a minha cadeira à instalação final. Ficou ótima envolta em plástico bolha. Nada mais a ver com a cadeira de praia. Um novo objeto, de museu (talvez porque esteja embrulhado?).

Hora de dormir. Sobre os pregos, claro. O Bruno me emprestou um edredon que eu coloquei entre mim e eles. No final funcionou. Fui me ajeitando no meio deles, e acabei dormindo profundamente. Não vi mosquito,luz,nada. Acordei em torno de 9h30, meio neurótica com o que tinha pela frente ainda pela manhã. Desmontar parte do meu espaço (roupas, livros, computador,etc), levar para o estúdio, baixar fotos, e ver o que fazer com a minha câmera, que havia travado na madrugada de sábado. Como todos ainda dormiam, deixei um bilhete que voltaria depois do almoço e corri para casa. Primeira coisa que fiz foi entrar no site da Canon Brasil e enviar um e-mail para a assistência em SP (até hoje ninguém respondeu, mas achei um lugar em BsB e a câmera já está sendo consertada, 190 reais!). Depois, acionei minha cunhada para me ajudar com a câmera de video, que pode ser usada no modo fotografia. Fácil, só que a qualidade da foto não é muito boa, a cor é superalterada, tudo meio lavado. Sorte é que o Hilan e a Waleska apareceram com cameras digitais durante a festa, e pude fazer alguns registros no domingo à noite.

Depois de almoçar na minha mãe, corri para a Galeria para trabalhar a versão final(?) da minha instalação. Na sexta-feira eu tinha comprado um rolho de 100 metros de plástico bolha, imaginando preparar uma cama enorme, alta e fofinha, meu objeto de desejo de toda essa semana passada na Galeria. Só que ao ver o rolo, fiquei tão apaixonada pelo formato, que mudei de idéia. Decidi construir uma grande torre, com o plástico bolha e os pregos. Homenagem ao Tatlin. Na prática nenhum dos dois projetos funcionou. A torre, além de não ser alta o suficiente dentro da escala do espaço, invertia a direção do meu trabalho, até então totalmente horizontal. Ficava complicado trabalhar os outros elementos; já a cama de princesa, só ficaria do jeito que imaginei se tivesse comprado, pelo menos, mais uns cinco ou seis rolos. Os 100 metros dão uma espessura de apenas cerca de 6cm, o que não é nada, já que eu estava imaginando algo pelo menos com um metro de altura. So, mudança de planos. De três da tarde até as oito da noite passei mudando objetos de um lugar para o outro. Variações sobre um mesmo tema, arranjos e rearranjos. Parar, olhar, mudar levemente de lugar, mudar de novo, olhar sob um outro angulo, mudar tudo de novo. Para quem fica vendo de fora pode parecer um ritual sem sentido, alienado... Tem uma cena de um livro do Castanheda que eu nunca esqueci, onde ele passa uma noite inteira mudando de um lugar para o outro, no pórtico da cabana do D.Juan, em busca do lugar certo para estar, uma espécie de ponto do poder; Matozo, o personagem neurótico (psicótico?)do Cristovan Tezza, só consegue retomar o equilíbrio depois de encontrar o "ponto ótimo". Aliás, acho mesmo que acabei não encontrando o "ponto ótimo" da minha instalação, mas o cansaço me venceu. Pensei em voltar à Galeria depois da residência, talvez uma vez por semana, para continuar trabalhando, quem sabe até o termino da exposição eu consiga chegar a algum lugar. Entre as dificuldades que consegui detectar, o mais complicado é a incorporação dos 7 objetos. Dispersos no nível do chão (e não mais na prateleira, isolados do restante da instalação), criam um ruído desgraçado. A referência infantil é muito forte, e as cores também, o restante dos materiais não consegue segurar, fica tudo contaminado. Ao traze-los para o espaço não pensei tanto neles como objetos mas como símbolos da minha intimidade. Só que no final, eu mesmo não estava muito convencida. Nalgum lugar esa regra do meu joguinho privado perdeu o sentido de ser.

Falando em voltar à Galeria para trabalhar, eu pensei mesmo foi em voltar para pintar. Ficou esse desejo em aberto. Não consegui incorporar a pintura ao meu projeto na Galeria. Pelo menos não o tipo de pintura que estou interessada no momento, que é a pintura de paisagem. Fiquei presa em outras experimentações. O espaço de habitar. Conversando com o Phil ficamos analisando minha afirmação de que na pintura, de alguma maneira, me parece que o jogo é mais crucial do que numa instalação. Minha última intuição sobre o assunto é que na pintura o resultado do jogo gera um novo objeto no mundo, enquanto numa instalação o jogo consiste em manipular objetos já existentes, a alteração gerada é um rearranjo de objetos já existentes, num deslocamento de contexto. As decisões numa pintura parecem envolver mais de perto a natureza das coisas.

Bom, a festa de reabertura da exposição e encerramento da residência seguiu até umas duas. Quando eu sai, perto da meia-noite, para jantar com o Phil e o Hilan, estava chegando mais cerveja e ainda tinha gente trabalhando (o Bahiano, a Marta, o André). Fiquei um pouco nostalgica ao me despedir das pessoas. Apesar do cansaço (dormi, em média, 3/4 horas na semana passada), gostaria de ficar mais tempo lá.

Segue abaixo uma listinha de 7 aspectos positivos da residência para mim:

1- A residência em si. Viver junto. Questões que me interessam, a comunidade artística, a comunidade acadêmica (UnB), a galeria de arte como um lugar vivo.
2- O primeiro blog. Descoberta de um veículo importante para compartilhar idéias e experiências. Pessoas que nunca tiveram contato com arte contemporânea visitaram o blog. Amigos em outras partes do mundo estiveram comigo na residência
3- Momento de reflexão sobre o meu fazer em arte. Instalação como delimitação de território; arte = jogo (um joguinho que mistura a intenção e a lógica do artista + a surpresa do acaso)
4- A visita dos amigos à Galeria durante a residência. Compartir com eles um momento de criação e reflexão sobre arte. Apresentar meus amigos para os outros artistas-residentes e seus habitats. O entusiasmo de todos os meus amigos com o projeto.
5- A fotografia e o diário como instrumento de registro do processo de criação. Seus altos e baixos, dúvidas, mudanças de rota.
6- A primeira regra/restrição do jogo que inventei para o meu projeto de residência, trazer para a galeria apenas material do meu atelier, basicamente restos de antigos trabalhos, se desdobrou, apontando vários mundos possíveis.
7- Teste de resistência: resistir à rotina, resistir ao conforto, resistir à vida do fácil acesso. Dormir sobre o plástico bolha ou sobre os pregos foi um exercício (simbólico) dessa resistência.

* Titulo do meu trabalho final: "Kit para acampar ou Retrato da artista quando jovem"
* Faltou agradecer a Mangala pela inspiração de participar do projeto. Até o final da exposição planejo passar uma noite no Espaço Sagrado que ela está montando do lado de fora da Galeria.

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